Artigo publicado na coluna do jornal O Tempo, em 10 de agosto de 2023
Na última semana, o país ficou estarrecido com o estupro de uma mulher de 22 anos que sofreu abandono múltiplo de diferentes homens, que nada fizeram para cuidar dela, em Belo Horizonte. Ela foi abandonada desacordada por um motorista de aplicativo, com ajuda de outro homem, e, na sequência, foi arrastada e estuprada por um terceiro homem.
Por que ninguém socorreu essa mulher? A resposta nos remete ao que chamamos de “cultura do estupro”, ou seja, a naturalização de práticas de violência sexual contra as mulheres e a criação de discursos para justificar essa violência e questionar a vítima. Nessa cultura, as mulheres nunca estão seguras: nem nas ruas, nem no trabalho, nem sequer dentro de casa.
São inúmeros os relatos de mulheres que foram forçadas a ter relação sexual com marido ou companheiro, bem como casos de assédio e violências sexuais dentro de ônibus, de bares, de empresas.
A naturalização desses casos está associada à culpabilização das vítimas, quando parte da sociedade alega que a mulher “pediu” para ser violentada por estar com roupa justa, por andar na rua tarde da noite, por ter saído para se divertir, entre outros argumentos repugnantes, que contribuem para a subnotificação de casos de estupro.
Outro debate importante que devemos propor é como tornar a cidade segura para que mulheres possam se locomover, seja para o trabalho, seja para festejar. São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas estão implementando uma alternativa interessante, que consiste em uma tecnologia para evitar que as mulheres fiquem sozinhas em pontos de ônibus, uma das cenas cotidianas que mais nos provocam medo.
A partir do mapeamento de dados de violência, os painéis são instalados em pontos e permitem que a mulher faça uma videochamada com a profissional da empresa de tecnologia até que o ônibus chegue.
Vale lembrar que nossa cidade perdeu, em 2020, a oportunidade de utilizar uma tecnologia chamada “Nina”, que era um aplicativo, aliado a imagens feitas nos ônibus, para denunciar violências sexuais e mapear onde e quando aconteceram.
Dessa forma, o poder público poderia não apenas punir agressores, mas também planejar políticas de prevenção. Enquanto vereadora, fiz diversas audiências públicas junto a Cida Falabella e, como Gabinetona, disponibilizamos uma emenda parlamentar para que o aplicativo fosse utilizado. Conseguimos com a BHTrans um compromisso verbal, mas depois a BHTrans recuou, e o projeto não foi implementado.
O que há na cidade é a possibilidade de passageiros pedirem ao motorista parar fora do ponto de ônibus. A medida funciona de segunda a sexta-feira, das 21h às 5h, aos sábados, a partir das 14h, e aos domingos o dia inteiro. É interessante, mas insuficiente, já que muitas mulheres não conhecem, e muitos motoristas não estão preparados para lidar com essa solicitação.
Com o transporte coletivo de péssima qualidade, que quase não disponibiliza horários de madrugada e não atende diferentes pontos da cidade, os aplicativos de transporte por demanda têm se tornado uma opção massiva. Nesse contexto, é fundamental cobrar que sejam desenvolvidas políticas reais de enfrentamento do assédio e da violência, para além de compartilhar localização ou gravar as conversas dentro do carro.
Devemos pressionar empresas do transporte coletivo e de aplicativos de carro por medidas de segurança para mulheres, bem como monitorar os pontos de ônibus, repensar o transporte coletivo para que atenda deslocamentos em diversos horários e localidades, melhorar a iluminação das ruas e repensar o zoneamento urbano para que a cidade esteja mais movimentada. Esses são alguns exemplos que, aliados ao combate à cultura do estupro, podem tornar nossas vidas mais seguras. Parem de nos violentar!